Ana Bottallo, Everton Lopes Batista e Phillippe Watanabe/Folhapress
Uma doença nova altamente contagiosa na era das redes
sociais e da informação rápida e muitas vezes imprecisa. O resultado é
desinformação, mentira, fake news ou algum outro sinônimo ao gosto do freguês.
(Foto: Pixabay/Imagem ilustrativa)
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma doença nova altamente
contagiosa na era das redes sociais e da informação rápida e muitas vezes
imprecisa. O resultado é desinformação, mentira, fake news ou algum outro
sinônimo ao gosto do freguês.
Dos remédios milagrosos – que não funcionam – aos absurdos de que máscara e vacinas fazem mal, abaixo estão algumas das mentiras mais ouvidas na pandemia e como combatê-las.
"A Covid-19 pode ser curada ou prevenida com
remédios"
Não há nenhum remédio que cure ou consiga prevenir a Covid,
segundo as principais entidades de saúde do mundo, entre elas a OMS
(Organização Mundial da Saúde).
Há, no momento, somente drogas que conseguem ter impacto
sobre o curso da doença. A grande pesquisa Recovery demonstrou que o
corticoesteroide dexametasona reduz a mortalidade em pacientes com Covid grave.
O anticorpo monoclonal tocilizumabe foi outra droga a
apresentar resultados positivos. No estudo Recovery, a droga mostrou efeito em
pacientes hospitalizados com hipóxia (baixa oxigenação no sangue) e quadro de
inflamação, diminuindo o tempo de internação, necessidade de ventilação
invasiva e mortalidade. Mas, ao contrário da dexametasona, o tocilizumabe é
caro e possui menor disponibilidade.
As duas drogas têm ação e objetivo semelhantes: reduzir a
inflamação dos pacientes graves, que costumam ter quadros de tempestade
inflamatória, na qual o corpo ataca a si mesmo.
Outros medicamentos ainda estão em estudo.
"O certo é começar a usar os remédios logo no início
dos sintomas, depois não funcionam"
Nenhum medicamento usado no início dos sintomas da Covid se
mostrou eficaz contra a Covid. Hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina,
nitazoxanida, vitamina D, zinco e por aí vai. Todas as drogas tidas como parte
do "tratamento precoce" –que não existe– não são eficazes contra a
Covid.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o próprio
Ministério da Saúde, apesar das evidências contrárias, incentivaram e indicaram
o uso dessas drogas contra a Covid.
Algumas delas, de início, em testes in vitro, mostravam-se
interessantes para análise em pesquisas em humanos. Tais estudos foram
realizados e não encontraram efeitos benéficos. Dessa forma, esses medicamentos
não fazem parte das orientações de tratamento das principais entidades de saúde
nacionais e internacionais.
Um caso curioso é o da ivermectina. Até mesmo a indústria
farmacêutica que desenvolveu a droga, a Merck (MSD, no Brasil) veio a público
afirmar que estudos mostram não haver benefício no uso do vermífugo contra a
Covid.
Nesta quarta (31), a OMS afirmou que a droga não deve ser
usada fora de testes clínicos e que se deve combater a prescrição
indiscriminada do remédio sem eficácia, o que pode trazer mais malefício do que
benefício.
Vale destacar que a verificação de efeito de uma droga se dá
por estudos duplo-cegos, randomizados e com grupo controle. Assim, é possível
minimizar vieses que possam interferir no resultado da pesquisa.
"Os remédios do 'kit Covid' são usados há anos para
outras doenças, mal não vão fazer"
De fato, os remédios do "kit Covid" são usados há
bastante tempo para outras doenças. Isso, porém, não quer dizer que possam ser
usados sem riscos contra a Covid.
Um exemplo simples é o caso da aspirina e da dengue. A
droga, amplamente conhecida, não é indicada para a doença transmitida pelo
Aedes aegypti pelo maior risco de sangramentos.
Já há documentação de hepatites medicamentosas derivadas do
uso do "kit Covid" –o que levou um paciente do interior de São Paulo
à lista de transplante de fígado. Também há relatos de mortes, segundo
reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Essas drogas estão sendo prescritas –mesmo sem evidência
científica de suporte– em doses e frequências normalmente não estudadas.
"É só uma gripezinha"
Embora a maior parte dos casos de Covid-19 se pareça com uma
gripe comum, uma pequena parte dos doentes tem um processo inflamatório grave,
espalhado pelo corpo. Hoje, os médicos consideram a Covid-19 uma doença
complexa, que exige tratamentos para diversas partes do corpo ao mesmo tempo a
fim de evitar a morte nos pacientes em estado mais grave.
O vírus se conecta a um receptor específico, o ECA2, que
está presente em células do sistema respiratório, intestino, rins e vasos
sanguíneos. Nessas áreas, o efeito do invasor para destruir as células é direto
e localizado.
A presença do vírus desencadeia a tempestade de citocinas,
proteínas que regulam a resposta imunológica, e que surgem para ajudar o corpo
a se defender do invasor. Mas em alguns casos essa resposta pode ficar
descontrolada e atrair mais células inflamatórias para a região, o que
prejudica ainda mais os órgãos afetados pelo vírus.
"Pessoas jovens não sofrem os mesmos efeitos deletérios
da Covid-19 que os mais velhos"
Apesar de pessoas mais velhas terem um risco maior de
morrer, os mais jovens também correm risco de morte.
Recentemente, tem sido observado um aumento substancial de
jovens internados em UTI. Há também a questão de possíveis sequelas da Covid,
tema ainda não totalmente compreendido e estudado.
"Todo mundo tem que pegar a doença para chegar na
imunidade de rebanho"
A imunidade de rebanho, ou seja, uma fatia grande o
suficiente da população imunizada a ponto do vírus ter dificuldade para
circular, deve ocorrer somente com vacinação em massa. As experiências no mundo
de deixar que a população se infecte para atingir a imunidade coletiva se
mostraram fracassadas, como no caso da Suécia.
No Brasil, em regiões onde o Sars-CoV-2 teve grande
circulação, como em Manaus, também não se viu a propagandeada imunidade de
rebanho ao mesmo tempo em que houve níveis de mortes altíssimos, colapso do
sistema de saúde, e falta de oxigênio e drogas para intubação.
A ideia se mostra , portanto, inviável pelo tamanho da perda
humanitária que acarretaria.
"O número de mortes divulgado pela imprensa é
exagerado"
Os números da Covid divulgados por iniciativas como a do
consórcio de veículos de imprensa são provenientes das secretarias estaduais de
Saúde. Ao invés de exagerados, os dados são subestimados, considerando que no
início da pandemia, em especial, houve considerável subnotificação das mortes
provocadas pela doença.
Algumas reportagens também mostram dados de mortes do
Registro Civil, que, mesmo com algum grau de atraso, reforçam a gravidade e os
números elevadíssimos de óbitos por Covid.
"A vacina pode causar a Covid-19"
Sintomas muito leves que podem aparecer após a aplicação de
uma vacina não indicam que a pessoa foi infectada com o vírus nem são sinais de
que o imunizante não é seguro. Essas reações mostram que o sistema imunológico
está em estado de alerta e trabalhando para construir as defesas contra o
patógeno e, assim, evitar o surgimento ou o agravamento da doença.
"A vacina pode te transformar em jacaré ou inserir um
chip de 5G no seu corpo"
Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro disse que a Pfizer,
uma das fabricantes mundiais da vacina, não se responsabiliza por efeitos
colaterais e que "se tomar e virar jacaré é problema seu". "Se
virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela
[Pfizer] não tem nada com isso", afirmou.
É impossível que qualquer medicamento ou vacina transforme
uma espécie animal em outra. Também não é verdade que a vacina pode dar
superpoderes, fazer crescer barba ou alterar o tom da voz de uma pessoa.
A frase "virar jacaré" virou meme e até foi criado
um site chamado jacaré-tracker para monitorar quantas pessoas já viraram jacaré
após tomar a vacina. O acumulado até agora é zero.
Uma outra teoria conspiratória surgiu alegando que as
vacinas contra Covid-19 produzidas na China iriam implantar um chip 5G no corpo
das pessoas. Dentre os componentes das vacinas estão água, sais,
estabilizantes, adjuvantes, como o hidróxido de alumínio, que ajuda a aumentar
a resposta imunológica, açúcar e até derivados de ovo, mas não há microchips.
Ou seja, sem upgrade gratuito na conexão do celular.
"A vacina altera nosso DNA"
As vacinas de RNA, inéditas no mundo, foram aceleradas
devido à emergência sanitária. Por utilizarem o material genético do vírus para
induzir resposta imune no organismo, as vacinas que usam essa tecnologia, como
é o caso da Pfizer/BioNTech e da Moderna, conseguiram sair na frente da corrida
por um imunizante contra o coronavírus.
Mas não tardou até que surgissem desinformações sobre a sua forma
de ação e até mesmo vídeos em que supostos médicos ou especialistas alegam que
as vacinas são capazes de modificar o material genético dos humanos.
Na verdade, pelo próprio mecanismo de ação, é impossível que
as vacinas de RNA alterem nosso DNA celular pois elas nem sequer têm contato
com o núcleo das células, onde está a nossa informação genética.
O RNA das vacinas vem empacotado em uma vesícula de lipídeos
(gordura) capaz de entrar na membrana celular. Dentro das células, o RNA
mensageiro carrega uma mensagem, no caso o código para a produção da proteína S
do Spike, e ao ser lido ("traduzido"), várias cópias dessas proteínas
virais são produzidas. Essas proteínas virais são reconhecidas como corpos
estranhos (antígenos) e induzem à resposta imune.
A partir daí, a resposta imune é igual à que seria gerada
caso fossem utilizadas vacinas mais tradicionais, como aquelas que usam
fragmentos do vírus ou o vírus morto.
"A vacina pode causar danos neurológicos ou
coágulos"
Durante os testes das vacinas, foram reportados dois eventos
adversos graves nos testes da vacina da Oxford/AstraZeneca, um deles um caso de
mielite transversa, uma doença neurológica grave. Após análise dos
especialistas, não houve comprovação de associação do evento com a vacina.
Em março de 2021, foram reportados casos de coágulos em
pessoas vacinadas com a vacina da Oxford em diversos países europeus.
O número de casos, no entanto, era muito pequeno e, após uma
análise da agência regulatória europeia, concluiu-se que o imunizante não está
associado a um aumento do risco geral de coágulos nas pessoas vacinadas,
tampouco foi possível comprovar que a vacina tenha provocado os casos.
No Brasil, a ocorrência de efeitos adversos graves nos
vacinados corresponde a 0,007%, segundo dados do Ministério da Saúde,
considerando ainda as duas vacinas aplicadas, a Coronavac e a da
Oxford/AstraZeneca. Ambas têm se mostrado seguras e os efeitos mais comuns
reportados são dores de cabeça, dores no corpo e fadiga.
"As vacinas foram desenvolvidas rápido demais e não são
seguras"
A gravidade da pandemia do novo coronavírus fez com que
empresas e centros de pesquisa tivessem à disposição muito mais recursos para
desenvolver imunizantes.
Além disso, aumentou a colaboração mundial entre cientistas
em busca de vacinas. O fato de milhares deles estarem pesquisando o mesmo
assunto aumentou a chance de que alguns estudos dessem certo.
Por fim, agências reguladoras e governos agilizaram
autorizações para os testes clínicos e foi mais fácil achar dezenas de milhares
de voluntários para as pesquisas, ainda mais ao se levar em conta os elevados
números de infectados no mundo.
Esse esforço fez com que as vacinas pudessem ser criadas
muito mais rápido que foram para outras doenças. Apesar disso, os imunizantes
seguiram todas as etapas de testes clínicos, de segurança e de registro por
autoridades sanitárias, no caso daquelas que já foram autorizadas.
"Máscara faz mal à saúde"
As máscaras podem ser desconfortáveis –especialmente no
calor–, mas não há estudos que indiquem que elas fazem algum mal à saúde, desde
que feitas e usadas de acordo com as recomendações das autoridades sanitárias.
As máscaras devem ser feitas com materiais que filtram as
partículas maiores, mas ainda permitam a passagem do ar para não haver risco de
sufocamento. Elas devem ser usadas bem ajustadas, sem espaços entre a máscara e
o rosto.
"Máscara de pano não funciona contra o
coronavírus"
Pesquisas têm mostrado a eficácia de máscaras de pano para
minimizar o risco da transmissão de vírus respiratórios, incluindo o
Sars-CoV-2. Segundo testes feitos em laboratório, máscaras de tecido feitas com
três camadas podem filtrar a mesma quantidade de gotículas que uma máscara
cirúrgica.
Para funcionar, a máscara precisa estar seca e bem ajustada
ao rosto. Especialistas recomendam respiradores do tipo PFF2 (N95) para
situações de maior risco.
"O lockdown não funciona"
Inúmeros exemplos comprovam que o lockdown é eficaz para
conter a transmissão do vírus. O Sars-CoV-2 é transmitido de uma pessoa
infectada para outra principalmente por gotículas de saliva –algumas menores
que podem permanecer suspensas no ar por horas. Quando o contato entre as
pessoas é reduzido, a circulação do vírus diminui.
Um exemplo de lockdown bem sucedido vem da cidade de Araraquara (a 273 km de São Paulo), que viu as mortes causadas pela Covid-19 caírem drasticamente após adotar uma série de medidas restritivas mais severas.
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